A Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF) é reconhecida como um instrumento decisivo para moralizar a
gestão das contas públicas no Brasil e melhorar o desempenho fiscal dos
governos federal, estaduais e municipais. Com base no sucesso da LRF,
dois técnicos do BNDES, o engenheiro, com especialização em finanças,
Manoel Henrique de Amorim Filho, e o contador José Antonio Felgueiras da
Silva estão propondo a criação da Lei de Responsabilidade Esportiva
(LRE), como forma de organizar as finanças dos clubes de futebol
brasileiros.
A proposta nasceu do estudo "A Gestão de Clubes de Futebol -
Regulação, Modernização e Desafios para o Esporte Brasileiro", um
cuidadoso diagnóstico da situação do futebol brasileiro, cuja penúria
financeira guarda pouca relação com a fama de pentacampeão mundial e de
"país do futebol" e com o tamanho da Economia do país, uma das dez maiores do mundo.
Amorim e Silva mostram que a Série A, a divisão principal do
campeonato brasileiro de futebol, atrai menos público aos estádios do
que a segunda divisão do campeonato inglês (dados de 2010/2011) e que as
dívidas de alguns clubes correspondem a várias vezes a receita anual
-casos do Botafogo-RJ (7,18 vezes), Atlético-MG (5,61 vezes) e
Fluminense-RJ (4,76 vezes).
Os autores do estudo propõem que seja criado um arcabouço
institucional, que permita o saneamento dos clubes, a profissionalização
gerencial e uma gestão voltada para a combinação de bons resultados no
campo esportivo e no campo econômico. Amorim destaca que nos países
desenvolvidos a indústria do esporte chega a representar 1,5% do Produto
Interno Bruto (PIB), enquanto no Brasil essa estatística inexiste.
"As principais ações para melhoria da administração dos clubes
brasileiros, seu fortalecimento institucional, devem estar centradas na
regulação por parte do governo e na governança corporativa dessas
entidades esportivas. Nesse sentido, a principal proposição deste artigo
é a criação de uma Lei de Responsabilidade Esportiva para regular as
atividades do esporte no Brasil, a começar pelo futebol", diz o texto do
trabalho.
Os autores acrescentam que os clubes deveriam ter diretorias
executivas remuneradas, indicadas pelos conselhos deliberativos e
fiscais, os quais seriam responsáveis pela geração das informações
necessárias a atender os limites de despesas estabelecidos pela LRE, à
semelhança da LRF.
Embora os clubes de futebol no Brasil sejam entidades privadas sem
fins lucrativos - e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a
entidade máxima que os congrega, também seja de caráter privado -, os
dois analistas do BNDES veem espaço legal para que o Estado crie uma LRE para forçar o saneamento das suas contas.
O principal argumento é a Timemania, loteria criada em 2008 com o
principal objetivo de gerar uma renda para os clubes para que possam
pagar suas dívidas quase que impagáveis, a maior parte de origem
tributária.
De acordo com a legislação, a Timemania repassa 20% da arrecadação
total para 98 clubes, 80 dos quais têm seus nomes nos volantes de
apostas. Proporcionalmente às necessidades dos clubes - em 2010, as
dívidas dos 12 maiores clubes de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais
e Rio Grande do Sul somavam R$ 2,96 bilhões, os valores obtidos ainda
são muito baixos, porque a loteria não teve a aceitação esperada.
Segundo dados da Caixa, que administra a loteria, no ano passado a Receita total
da Timemania cresceu 32,4%, passando de R$ 120,6 milhões para R$ 159,7
milhões. Os números significam que o repasse aos clubes passou de R$
24,3 milhões para R$ 32 milhões. No primeiro trimestre deste ano, a
Timemania arrecadou R$ 36,5 milhões. Os recursos repassados aos clubes
são compulsoriamente para pagar dívidas com FGTS, INSS, Receita Federal e
Procuradoria da Fazenda Federal.
Além do benefício da loteria, os técnicos do BNDES
argumentam que a LRE pode ser justificada legalmente pelos recursos
públicos que são gastos para viabilizar a realização dos jogos de
futebol - despesas com segurança pública, transporte público e limpeza
urbana, por exemplo.
Silva e Amorim reconhecem que o projeto de LRE encontraria forte
oposição política e que é possível prever um processo demorado tanto na
gestação como para "pegar", mas argumentam que é preciso começar
imediatamente a trabalhar na sua concretização, se o Brasil pretende
transformar o futebol em negócio organizado e rentável, como ocorre em
outras partes do mundo, especialmente na Europa.
Além do arcabouço legal para dar suporte à transformação, os dois técnicos do BNDES
sugerem uma série de medidas para elevar as receitas do clubes com as
rendas dos jogos (do público presente e da transmissão pela TV), com
transações envolvendo os direitos federativos dos jogadores - que seriam
registradas em uma câmara a ser criada com esse objetivo - e com a
gestão das arenas esportivas.
Ajustadas receitas e despesas e profissionalizadas as gestões,
seria feito um programa de refinanciamento para viabilizar o pagamento
das dívidas acumuladas. Amorim avalia que os clubes mais endividados
poderiam ter 15 anos para pagar os atrasados, desde que mantivessem em
dia os débitos correntes.
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