segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Estudo propõe uma "lei fiscal" para sanear finanças de clubes de futebol

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é reconhecida como um instrumento decisivo para moralizar a gestão das contas públicas no Brasil e melhorar o desempenho fiscal dos governos federal, estaduais e municipais. Com base no sucesso da LRF, dois técnicos do BNDES, o engenheiro, com especialização em finanças, Manoel Henrique de Amorim Filho, e o contador José Antonio Felgueiras da Silva estão propondo a criação da Lei de Responsabilidade Esportiva (LRE), como forma de organizar as finanças dos clubes de futebol brasileiros.
A proposta nasceu do estudo "A Gestão de Clubes de Futebol - Regulação, Modernização e Desafios para o Esporte Brasileiro", um cuidadoso diagnóstico da situação do futebol brasileiro, cuja penúria financeira guarda pouca relação com a fama de pentacampeão mundial e de "país do futebol" e com o tamanho da Economia do país, uma das dez maiores do mundo.
Amorim e Silva mostram que a Série A, a divisão principal do campeonato brasileiro de futebol, atrai menos público aos estádios do que a segunda divisão do campeonato inglês (dados de 2010/2011) e que as dívidas de alguns clubes correspondem a várias vezes a receita anual -casos do Botafogo-RJ (7,18 vezes), Atlético-MG (5,61 vezes) e Fluminense-RJ (4,76 vezes).
Os autores do estudo propõem que seja criado um arcabouço institucional, que permita o saneamento dos clubes, a profissionalização gerencial e uma gestão voltada para a combinação de bons resultados no campo esportivo e no campo econômico. Amorim destaca que nos países desenvolvidos a indústria do esporte chega a representar 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto no Brasil essa estatística inexiste.
"As principais ações para melhoria da administração dos clubes brasileiros, seu fortalecimento institucional, devem estar centradas na regulação por parte do governo e na governança corporativa dessas entidades esportivas. Nesse sentido, a principal proposição deste artigo é a criação de uma Lei de Responsabilidade Esportiva para regular as atividades do esporte no Brasil, a começar pelo futebol", diz o texto do trabalho.
Os autores acrescentam que os clubes deveriam ter diretorias executivas remuneradas, indicadas pelos conselhos deliberativos e fiscais, os quais seriam responsáveis pela geração das informações necessárias a atender os limites de despesas estabelecidos pela LRE, à semelhança da LRF.
Embora os clubes de futebol no Brasil sejam entidades privadas sem fins lucrativos - e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a entidade máxima que os congrega, também seja de caráter privado -, os dois analistas do BNDES veem espaço legal para que o Estado crie uma LRE para forçar o saneamento das suas contas.
O principal argumento é a Timemania, loteria criada em 2008 com o principal objetivo de gerar uma renda para os clubes para que possam pagar suas dívidas quase que impagáveis, a maior parte de origem tributária.
De acordo com a legislação, a Timemania repassa 20% da arrecadação total para 98 clubes, 80 dos quais têm seus nomes nos volantes de apostas. Proporcionalmente às necessidades dos clubes - em 2010, as dívidas dos 12 maiores clubes de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul somavam R$ 2,96 bilhões, os valores obtidos ainda são muito baixos, porque a loteria não teve a aceitação esperada.
Segundo dados da Caixa, que administra a loteria, no ano passado a Receita total da Timemania cresceu 32,4%, passando de R$ 120,6 milhões para R$ 159,7 milhões. Os números significam que o repasse aos clubes passou de R$ 24,3 milhões para R$ 32 milhões. No primeiro trimestre deste ano, a Timemania arrecadou R$ 36,5 milhões. Os recursos repassados aos clubes são compulsoriamente para pagar dívidas com FGTS, INSS, Receita Federal e Procuradoria da Fazenda Federal.
Além do benefício da loteria, os técnicos do BNDES argumentam que a LRE pode ser justificada legalmente pelos recursos públicos que são gastos para viabilizar a realização dos jogos de futebol - despesas com segurança pública, transporte público e limpeza urbana, por exemplo.
Silva e Amorim reconhecem que o projeto de LRE encontraria forte oposição política e que é possível prever um processo demorado tanto na gestação como para "pegar", mas argumentam que é preciso começar imediatamente a trabalhar na sua concretização, se o Brasil pretende transformar o futebol em negócio organizado e rentável, como ocorre em outras partes do mundo, especialmente na Europa.
Além do arcabouço legal para dar suporte à transformação, os dois técnicos do BNDES sugerem uma série de medidas para elevar as receitas do clubes com as rendas dos jogos (do público presente e da transmissão pela TV), com transações envolvendo os direitos federativos dos jogadores - que seriam registradas em uma câmara a ser criada com esse objetivo - e com a gestão das arenas esportivas.
Ajustadas receitas e despesas e profissionalizadas as gestões, seria feito um programa de refinanciamento para viabilizar o pagamento das dívidas acumuladas. Amorim avalia que os clubes mais endividados poderiam ter 15 anos para pagar os atrasados, desde que mantivessem em dia os débitos correntes.

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