O governo quer aproveitar as reivindicações pelo fim do fator
previdenciário para fazer logo a reforma da Previdência Social. A
intenção é encaminhar ainda neste ano ao Congresso, após as eleições
municipais, proposta de emenda constitucional acabando com o fator e
também com a aposentadoria por tempo de contribuição, disse ao Valor
qualificada fonte oficial.
As pessoas que entrarem no mercado de trabalho após a reforma se
aposentarão apenas por idade. Hoje, o benefício previdenciário pode ser
requerido tanto por idade quanto por tempo de contribuição. O tempo
mínimo de contribuição à Previdência é de 35 anos para homens e de 30
anos para mulheres.
A aposentadoria por idade, na regra atual, exige que os homens
tenham 65 anos e as mulheres 60 anos no mínimo. Mas os ministérios
envolvidos na discussão ainda não bateram o martelo sobre a manutenção
ou não desses parâmetros na proposta de reforma. Dentro do governo há
quem defenda acréscimo de dois anos, por causa da crescente expectativa
de vida da população.
Há também quem questione a diferença de idade por gênero, uma vez
que a longevidade da mulher em geral é maior e não menor que a do homem.
Se for mantida alguma diferença na PEC, provavelmente ela será inferior
aos atuais cinco anos.
Como regra de transição, o Planalto pensa em adotar parcialmente a
ideia do deputado federal Pepe Vargas (PT-RS), atual ministro de
Desenvolvimento Agrário. Um projeto de lei apresentado por ele cria um
critério misto de aposentadoria, que soma idade e tempo de contribuição.
A proposta permite ao trabalhador requerer aposentadoria integral
quando a soma da idade com o tempo de contribuição atinge 85 anos no
caso das mulheres e 95 anos no caso dos homens. A regra seria transposta
para as Disposições Constitucionais Transitórias, enquanto a regra
definitiva entraria no corpo da Constituição.
O projeto de Vargas não acaba com o fator previdenciário, o que,
segundo o governo, só pode ser feito por emenda constitucional. Mas na
prática neutraliza o seu efeito sobre benefícios concedidos a partir da
fórmula 85-95, para as quais o fator previdenciário ficaria em 1 e,
portanto, não provocaria redução do valor do benefício.
O fator previdenciário foi introduzido em 1999 para coibir
aposentadorias precoces por tempo de contribuição. Na prática, é um
redutor. Quanto mais jovem é a pessoa que pediu a concessão do
benefício, maior o desconto, que pode ultrapassar 50%. Em, média o corte
é de 31%.
A fórmula 85-95 surgiu como uma tentativa de atender aos movimentos
sindicais, que pedem o fim do fator, sem causar muito estrago nas
contas do já deficitário Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que
deve registrar este ano rombo de R$ 40 bilhões. Em 2011, o fator
representou Economia
de R$ 12 bilhões para o regime, cifra que sobe a cada ano, na medida em
que mais gente vai se aposentando com benefício reduzido.
A neutralização do efeito do fator nas aposentadorias pela regra 85-95 reduziria essa Economia
mais ou menos pela metade, ou seja, teria custo fiscal, informa o
Ministério da Previdência. O problema, na visão do governo, é que o
projeto do deputado Pepe Vargas vai além disso. A proposta ainda reduz o
número de salários considerados na hora de calcular a média que valerá
como aposentadoria.
Hoje, a média é obtida considerando-se as 80% maiores remunerações.
O projeto diminui esse percentual para 70%, o que tende a elevar a
média. A média sobe porque, em vez de descartar os 20% menores salários,
são descartados os 30% menores.
O governo calcula que, no seu conjunto, as mudanças propostas pelo
deputado gaúcho têm um custo fiscal equivalente a acabar pura e
simplesmente com o fator previdenciário, ou seja, algo para lá de R$ 12
bilhões por ano. Então, já tratou de convencer a base parlamentar aliada
de que a parte relativa ao cálculo da média salarial não pode ser
aproveitada na reforma.
Chance de recalcular aposentadoria cria Passivo de R$ 49 bi
José Mariano de Jesus tem 48 anos e conta os dias até outubro,
quando completará o período de trabalho necessário para pedir sua
aposentadoria por tempo de contribuição. Assim que completar os 35 anos,
irá entrar com o pedido do benefício. Jesus prefere "garantir já o
direito" antes que o valor da aposentadoria seja achatado por um novo
fator previdenciário, que deve entrar em vigor a partir de dezembro, ou
por mudanças em discussão no sistema previdenciário.
Ele deve se aposentar com benefício em torno de R$ 2,2 mil mensais e
vai continuar trabalhando e contribuindo para a previdência pública.
Ele sabe que, pelas regras atuais, teria uma aposentadoria mais gorda,
caso adiasse o pedido do benefício. Mas, para complementar a renda da
aposentadoria, Jesus tem um pé de meia paralelo: contribui para um plano
de previdência privada há dez anos.
Além disso, pretende, daqui a algum tempo, tentar na Justiça o que
tem sido chamado de "desaposentação". Ou seja, o recálculo, com elevação
do valor do benefício, levando em conta o tempo de trabalho e de
contribuição após a aposentadoria.
"Opa, claro que vou entrar", diz Jesus, sobre a Ação
judicial. Ele vai aumentar ainda mais os 24 mil processos judiciais que
tramitam atualmente na Justiça pedindo o mesmo recálculo. Segundo
estimativa da União, a perda seria de R$ 49,1 bilhões, caso os
aposentados ganhem a disputa, considerando somente o volume atual de
processos. A perda não geraria desembolso imediato, mas gradual, à
medida que as ações chegassem ao fim.
Por enquanto o Judiciário está dividido. A decisão final deve ser
do Supremo Tribunal Federal (STF). A expectativa é que o julgamento seja
retomado assim que terminar o processo do Mensalão.
Jesus não é o único brasileiro que prefere, ainda relativamente
jovem, garantir a aposentadoria assim que atinge o tempo mínimo de
serviço, mesmo sabendo que a pouca idade reduz o valor do benefício, diz
o consultor Newton Conde, da Conde Consultoria Atuarial. "O brasileiro é
mais imediatista, quer começar a receber a aposentadoria o mais cedo
possível." E para quem continua trabalhando, destaca, a aposentadoria
funciona como renda adicional.
A preferência por se aposentar assim que cumprido o tempo mínimo de
contribuição foi preservada mesmo com a adoção do chamado fator
previdenciário. O mecanismo acabou trazendo como resultado prático a
redução dos valores das aposentadorias por tempo de serviço. Desde
dezembro de 2000, quando passou a valer a regra do fator previdenciário,
a aposentadoria perdeu, no acumulado, 15,1% do seu valor. Isso vale
para um homem que, aos 55 anos, se aposenta com 35 anos de contribuição.
A mulher de 50 anos, que contribui também com tempo mínimo - de 30 anos
-, teve perda de 13,3%.
Mesmo assim, dados do Ministério da Previdência indicam que
continua crescendo a fatia dos que se aposentam por tempo de
contribuição. Antes da adoção do fator previdenciário, mais de 40% das
pessoas usavam esse critério para sua aposentadoria, percentual que caiu
pela metade (variando entre 17% e 20%) após as novas regras. Desde
2006, contudo, o número de benefícios por tempo de contribuição voltou a
crescer ano a ano entre as novas aposentadorias, chegando a 28% em
2011.
O fator, que define o valor da aposentadoria para quem consegue o
benefício por tempo de contribuição, é recalculado todos os anos, mas
este ano há uma expectativa maior. Em novembro de 2012, essa conta deve
incorporar os dados do Censo de 2010.
Se as estimativas anuais para recálculo do fator estiverem abaixo
da expectativa de vida apurada com base nos dados do Censo, o valor da
aposentadoria deverá sofrer redução maior. Em 2002, quando foram
incorporados os dados de 2000, houve uma perda de 10% no valor da
aposentadoria, levando em conta um homem de 55 anos de idade com 30 anos
de contribuição. A perda média é de 0,5% ao ano. Caso as estimativas
estejam acima da expectativa de vida do Censo, o efeito pode ser
benéfico ao trabalhador.
Para o advogado trabalhista Marcel Cordeiro, uma eventual redução
do valor da aposentadoria pode estimular ainda mais a adesão aos
processos judiciais que pedem recálculo do benefício por aposentados que
continuam trabalhando e recolhendo a contribuição previdenciária.
Polêmica, a questão do recálculo provoca divergências entre quem
acompanha o assunto. Cordeiro é favorável ao pedido dos aposentados. Ele
lembra que o aposentado que continuava a contribuir contava com outros
mecanismos abolidos. Ele cita o pecúlio, que permitia ao segurado que
continuasse a trabalhar o saque das contribuições previdenciárias pagas
após a aposentadoria.
Conde tem opinião diferente. Ele lembra que, na estrutura
previdenciária brasileira, quem contribui sustenta o benefício de quem
está aposentado. "Não há conta individual. A contribuição de cada
segurado entra numa conta geral para sustentar o sistema."
Hélio Pinto Ribeiro de Carvalho Júnior, diretor do departamento de
contencioso da Procuradoria-Geral Federal (PGF), diz que a preocupação
com novos processos vai além do desembolso em caso de perda. "O impacto
será maior, inclusive na administração e atendimento do INSS com novos
pedidos." Em novembro, o Supremo reconheceu a repercussão geral do tema.
Isso significa que uma decisão da corte irá colocar ponto final à
discussão.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também tem julgado o tema, e a
favor dos aposentados. Recentemente, a segunda turma de direito público
do STJ reconheceu o direito de um segurado de Santa Catarina de pedir
novo cálculo com o objetivo de conseguir valor maior de aposentadoria.
Os ministros negaram ainda que o INSS cobre a devolução de benefícios
pagos pela Previdência durante a vigência da aposentadoria rescindida.
"A aposentadoria tem termo final. Pode-se admitir o recálculo desde
que o aposentado restitua o INSS pelo passado", afirma o procurador
federal, acrescentando que, pela lei, são admitidos dois benefícios -
salário família e reabilitação profissional ao aposentado que volta à
atividade. No Supremo, o relator, ministro Marco Aurélio Mello, votou a
favor dos aposentados. O julgamento foi interrompido, porém, por pedido
de vista do ministro José Dias Toffoli.
A regra do fator previdenciário
Até 1999 não existia o fator previdenciário. Mulheres e homens que
completassem 30 e 35 anos de contribuição, respectivamente, recebiam
como valor de aposentadoria o benefício integral. Esse salário era
calculado com base nos salários de contribuição de um determinado
período.
A partir de dezembro de 2000, porém, a legislação previdenciária
passou a estimular a aposentadoria por idade ou com tempo de
contribuição maior que o mínimo. Foi adotado o fator previdenciário.
Essa nova fórmula leva em consideração, além do salário de contribuição,
a expectativa de vida do brasileiro e a idade em que o trabalhador se
aposenta. Mesmo que a aposentado ria seja por tempo de contribuição.
O segurado que se aposenta mais jovem, portanto, tem um valor de
benefício menor que o segurado que se aposenta em idade mais avançada.
Mesmo que os dois trabalhadores tenham o mesmo tempo de serviço e o
mesmo salário de contribuição.
Neston Conde, da Conde Consultoria Atuarial, explica que o fator
previdenciário é calculado com base nas tábuas de mortalidade divulgadas
anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A cada dez anos, a tábua incorpora os dados levantados pelo Censo. No
intervalo, porém, a atualização se faz com base em estimativas de
expectativa de vida. A atualização no intervalo, diz Conde, tem sido
feita com acréscimo médio de 40 dias por ano nessa expectativa.